Transcrição de áudio feita por Barbara xavier extraída da entrevista de Moara Brasil com seu Laurival Miranda.
Projeto Museu da Silva Captação: julho/2019
Laurival Miranda: Ex - pescador e caçador, 81 anos. Natural de Santarém/PA. Morador da comunidade de Cucurunã.
L: (ruídos inaudíveis).... praia muito bonita lá pras bandas de fordlândia, lá pras bandas de boim, tapajós né…
M: ...tem? Boim tem muita praia bonita?
L: ... tem, tem, tem muitas praia bonita, bonita mermo que…
M: … vamo lá…primeiro eu quero que vc fale pra gente, qual seu nome, sua idade e onde você nasceu…(ruídos de carro)
L: (ruídos de carro) meu nome é lau-ri-val do Rebeiro Miranda
M: sua idade (bem baixinho)
L: Laurival do rebeiro Miranda
M: sua idade?
L: oitenta, me me dê sua ajuda…
M: (risos)
L: quem nasceu em trinta e nove, pra agora? M: (risos e barulho de carro)
L: eu sou do dia sete de julho de 1939…
M: tá ótimo... voz não identificada: oitenta
M: oitenta, oitenta...é...você passou por algum tipo de educação formal, você aprendeu...é...foi na escola, algum lugar assim, tecnico, curso, qualquer coisa…
L: olha, eu... lamento muito…(ruídos de carro e vozes) eu nunca estudei...nunca estudei nada, pra não dizer que eu não estudei, eu estudei numa carta de ABC ó, foi numa cartilha que se chamava, “cartilha para todos”, naquele tempo, lá no interior tinha uma professora ela ensinava nois, ai depois de tudo esse tempo passou, eu cheguei os dezoito anos, em Santarém não tinha exército, quartel assim, criaram uma escola militar que foi “tiro de guerra, 190” criaram em Santarém, aí a rapaziada por aí do interior, entraram, aí foram servir o exército a gente tirava o certificado de segunda categoria, não tirava de primeira categoria, tirava de segunda categoria, foi aonde eu fui aprender assinar meu nome e escrever umas coisinha pouca, e aí apareceu uns cursos no exército lá, pra quem quisesse seguir carreira, estudar mais, aí a tenente era uma mulher, olhou no meu nome e me chamou __ “você é daqui mesmo de Santarém”? __ eu disse: sou! __ me diz uma coisa:__ “você não quer seguir carreira, estudar alguma coisa aqui no exercito”? __ eu disse: eu quero, __ o que o senhor quer ser no exercito: eu quero ser paraquedista! ela disse: “ não, não admirei de você dizer que quer ser paraquedista, me admirando que o você tá me mostrando que o senhor tem disposição e olhe, você tem que estudar oito anos em belém, aí você vai estudar dez anos em São Paulo de lá você vai concluir seu estudo nos Estados Unidos né, pra lá que você vai completar seu estudo” __ e.... ai eu parei, porque precisava dum dinheiro né, e eu num tinha e meu pai também era…(final não identificado) M: fala o nome do seu pai? L: Antônio delgado de Miranda
M: Como?
L: Antonio Delgado de Miranda
M: nome da sua mãe?
L: Maria Rebeiro Miranda,
M: maria rebeiro miranda?
L: filho natural do Rio Tupi, é um rio que tem aí abaixo do rio de Santarém
M: é?
L: é
M; Cê tem irmãos?
L: tenho, tão tudo em Manaus...
M: quais são seus irmãos?
L: olha, eu tenho até uma irmã que teve ontem aqui comigo, veio me visitar, que ela veio de São paulo, ela anda muito por aí, ela vai pra são Paulo, vai pro Rio, ela faz parte da Confederação católica, aí por isso ela anda muito assim…
M: cê lembra o nome de todo mundo? dos irmãos...
L: lembro… o Fernando, Ernesto, o... Carlos… o... Eduardo...só... (palmas)e por aí eu parei e por aí eu fico e por aí estou, até hoje
M: cê nunca saiu daqui?
L: saí assim pra trabalhar, me mudei pra Manaus eu fui uma vez, uma vez nós tivemo em Manaus, 15 anos, com a Inácia a mulher ainda lá em Manaus, sabe onde é a Ponta Negra em Manaus? por lá nos andemo tudinho com ela ainda passeamo, quando nois vortemo de lá ela veio adoecer e morreu, e eu fiquei só e estou por aqui só, né, mas não por causa dos filhos, né, eu sei que tão bem meus filhos aí…
M: Você nasceu aqui em Cucurunã ou você veio de outro lugar?
L: não, eu nasci em Santarém
M: Ah...você nasceu em Santarém...quando que você veio pra cá pra Cucurunã?
L: em 53…
M: já tinha 50 anos já de existência aqui...quando você chegou aqui tinham quantas famílias?
L: aqui nessa vila aqui tinham 8 famílias, tinham 8 famílias, ali era a casa dum nos fundos, isso era um matagal, era mato, aqui tudo era mata, a estrada era bem estreitinha, dipois de nós tarmos aqui eu e mais outro família, nós fizemo um tar de puxirum que chamavam, finado pedro foi o cabeça disso…
M: puxirum...o que seria o puxirum?
L: é uma junta dos homem que se ajunto pra fazer aquele trabalho que se ajuda pra limpar a estrada pra poder entrar caminhão pra carregar a produção do pessoal pra cidade, entendeu?
M: que que produziam?
L: que produziam, como, açaí a farinha, muitas e outras coisas, e ai a gente fez isso, nesse serviço deu duzentos e trinta e dois homens do Pirurama, são brás, vila nova, alter do chão também participaram ajudando, ai foi pra entrar caminhão aí entrou caminhão ai melhorou mais pra gente…
M: antes como é que vendia?
L: antes a gente carregava nas costas pra canoa lá no juá, pra ir no outro dia pra cidade vender lá pela praia, lá pra beira da praia a gente ia vender…
M: vendia bem?
L: era pesado, a vida era pesada, eu digo pra muitos, quando eu cheguei pra aqui, pra cá, essa família sofreu muito, trabalhavam muito pesado, paneiro, saca cheio de mandioca nas costas, olha onde nós tava, tinha gente que vinha buscar mandioca pra lá pra fazer farinha pra cá…
M: e o que mais tinha além da farinha de mandioca tinha o quê, tinha o tucupi tinha o tarubá?
L: tinha o tar do tucupi, tinha o tarubá, tinha a tapioca né, que até hoje tem
M: o senhor lembra de fruta? L: fruta tinha o buriti né que dá aquele vinho bonito né...o buriti...tinha taperebá, tinha o piquiá, o piquia é uma fruta que os índio come...tinha umas e outra coisinha...
M: peixes vocês tinha quais?
L: peixes, tinha muito, pro lado do Juá, os pescador iam pra lá pescar vinham de manhã, pescavam o dia quase tudo, quando era uma hora dessa assim mais tarde tavam subindo com peso nas costa, peixe, chegava aqui tudo mundo,os pescador queria pescar não vendiam quase peixe, chegavam aqui, o pessoal já sabia, olha fulano tá pa a aldeia, fulano, chegava aqui pra essa hora eles vinham, leva isso, leva isso, leva isso, era assim, ninguém vendia pra eles pros vizinho, tudo, que era de um era de todos era assim…
M: todo mundo repartia com todo mundo? fazia uma grande comilança
L: é era assim…
M: e quantas..., naquela época...é, você lembra mais ou menos de onde vinham essas famílias, elas vinham de que lugares? você veio de santarém...às outras família veio de que lugares?
L; vinha do interior de várzea, entendeu?
M: interior de onde?
L: de várzea...várzea é como urucurituba né...Aracumã... essas comunidade no interior, entendeu? que tem essas comunidade, até hoje ainda tem, essas comunidade…
M: é perto do tapajós?
L: é aí no tapajós…
M: porque será que essas famílias vinham pra cá? melhores condições de vida?
L: melhores condições de vida por causa da farinha, que era bem dinheiro que dava bem dinheiro né, bora pra cucurunã, Cucurunã ele vai… um saco de farinha naquele tempo, um saco de farinha, era o que? cinco cruzeiros, um saco de farinha, naquele tempo, um saco de farinha era cinco cruzeiro...ah mas cinco cruzeiro naquele tempo... você fazia a festa, é pq era tudo barato né...cinco cruzeiro...eu fui pro garimpo trabalhar com um garimpeiro ai…
M: onde?
L: ….no tapajós o nome do garimpo ainda está até hoje, “Rio das tropas”, acima de itaituba...acima de itaituba…. um garimpeiro que o nome dele era Nilson Pinheiro, ele era Amazonense e eu fui pra lá ficar trabalhando uns meses com ele. onde eu fui prestar conta com ele e ele mandou a secretária prestar conta também...meus companheiros se admiraram...preste conta do doutor aqui tudo direitinho dê o saldo dele e dê mais cem cruzeiro de gratificação pra ele, que foi um bom trabalhador, aí a dona lá me deu (palmas e barulhos de carro e áudio não identificado)...que tinha dado as voadeiras, aquelas lancha de fordlândia pra vim trazer a gente de itaituba de lá eu vim embora pra santarém vinha de barco e assim eu fui e assim eu cheguei pra cá com setecentos cinquenta cruzeiro no bolso humm...tinha uma festinha por alí eu fui lá na festa…
M:o que que tava rolando na festa?
L: na festa...todo mundo dançando ihhh deusulivre….
M: que música era?
L: aquelas música antiga era…
M: brega?
L: não tinha brega, era bolero, era xote...era valsa...essas musica antiga...ah a Conce? dançou muito essas música, dançou, dançou muito, ela e a inácia dançaram muito essa música nessas festa, deusulivre... bondade que não tinha briga! M: não tinha briga?
L: não…
M: como que era as casas, porque eu vi que agora essas são mais nova assim...como que eram as casa antes quando você chegou aqui?
L: as casa era… essa ó tá aqui uma ó (mostra um exemplo) modelo dessa aqui, era assim mais ou meno, mas só que era coberto de palha, coberto de palha tudo bem cercadinho…
M: como que vocês faziam essas casa?
L: ehn?
M: como que faziam essas casas? todo mundo que pegava...
L: pegava, um ajudava, não era só um não, “amanhã é o dia de fazer o serviço da casa do fulano” (exemplo) aí quando dava meio dia, olha o monte de gente já, ás veze tinha uma pingazinha pelo meio....ê ai iam trabalhar fazer...era rápido…
M: tudo de graça assim?
L: de graça...o dono da casa do serviço quando ele tinha as condição ele dava o armoço, mas...o laurival fez muita parte disso aí…
M: é...que quê cê lembra do dessa época aí do Pedro, do Pedro Delgado, que quê você lembra, lembra de coisas boas, positivas...que quê era interessante dele aqui na comunidade?
L: ele era um cidadão…
M: quem?
L: ele era uma pessoa, que ele não era estudado, entendeu? ele não tinha estudo assim, mas ele participava muito desse negócio de encontro de seminário, de emaús e ele era muito procurado pelos padres, e por isso ele tinha uma cabeça boa e inteligente aprendeu muito, quando os primeiro padre que chegaram pra cá foi português,( ele não é português não?) (se referindo ao videomaker)
M: não...não sei, porque é muito cara de índio,(risos) deve ser misturado… (na verdade a Moara não entendeu a pergunta, pois ele estava perguntando sobre o videomaker se era português)
L: andam muito com ele, os portugueses...chegaram pra cá foram visitar alter do chão, chegaram em alter do chão aquele povo ali, aquela garotada, aquela moçada ali, tudo ín..., tipo índio mesmo né...
M: bem novos, muita gente, muito homem, muita mulher tudo junto?
L: tudo junto...a vestimenta delas…(barulho de carro)
M: como é? fiquei curiosa…
L: aquela tanga que chamavam, uma tangazinha assim, aí o pessoal se admiravam muito...aí eles foram chegando, foram chegando aí então a troco daquela reunião daquela coisa que eles estavam fazendo eles falavam e diziam: “olha pessoal tá aqui pra vocês lerem um pouco vocês aprenderem aqui a reza tal, reza tal e tá aqui e mais nada, não custa nada nós dá de graça” e eles davam de graça pro povo, aí o povo foi deixando mais as coisa e foram se dedicando mais a religião mesmo né, católica, pronto aí e até hoje tá lá em alter do chão…
M: foram até alter do chão? Cucurunã as outras vilas né?
L: Cucurunã, São Brás...é coisa...Pirurama, pirurama tem uma lá a comunidade São pedro lá na frente, aí vai chegando até alter do chão….
M: entendi...e como era...o que cê lembra de bom daquela época que cê era jovem? Chegou com quantos anos mais ou menos...cinquenta...risos
L: era muito bom naquele tempo né…
M: o que quê cê lembra de bom quando cê chegou aqui, o que quê era bom, gostoso…
L: agora, aquela questão de relacionamento com as moças, tudo era dedicado, era cuidadoso
M: cuidadoso, pq?
L: era porque ninguém podia demonstrar que estava com interesse em alguém entendeu?
M: não!?
L: não...hum…
M: o padre brigava? L: não, o pai! o pai da moça… o pai do moço (insinua uma palmada com as mão)
M: dale! (risos)
L: mas era assim...eu cheguei pra cá a gente tava conversando, hoje se fosse naquele tempo aqui, nós já tinha visto guariba, macaco passar aí na estrada andando, andando…”olha o macaco olha a guariba”...lá vão vão embora... M: o que é guariba?
L: é um bicho igual macaco...e aí ia embora andando, ninguém mexia ninguém matava, ninguém que podia fazer isso, e era assim né, tudo era respeitado ninguém matava o macaco, não matavo os bicho tudo queria viver...o finado Pedro era um protetor dos animais, podia ser macaco fosse o que for (interferência e barulho de carro)... tudo conhecia ele, era muito obediente, gostavam muito dele….
M: só um momentinho (continua barulho de carro)
L: bem aqui ô, bem aí tinha um coqueiro…coqueiro muito cheio de coco...
M: onde?
L: não tem um toquinho ai grande?
M: tô vendo
L: pois é, pra lá tinha um coqueiro aí, mas dava muito coco em...quando foi um dia teve uma reza aqui aí na casa do vizinho aí, bem aí, bem aí eu sei bem aonde é, tive uma explosão de umas coisas que ninguém soube o que era, aí nós tivemos que chamar o oitavo batalhão, naquele tempo não tinha bombeiro, aí o oitavo batalhão veio, fizeram uma pesquisa aí e deu, foi uma bomba que tinha embaixo da terra, há muito tempo, muitos anos e ela explodiu…
M: (susto) uma bomba?
L: é...uma bomba…
M: mas quem será que colocou essa bomba?
L: aí ela explodiu aí e espantou o povo entendeu? aí foi chamaram toda...segurança né, vieram aí vê.... aqui nesse igarapé tá aí o igarapé ainda tá aí, veio um garimpeiro fazer uma exploração aí nesse igarapé, deu muito ouro…
M: ouro no igarapé?
L: ouro, ouro nesse igarapé e deu bastante, esse igarapé que sobe aqui e vai embora, você não queira saber como isso tem ouro, o presídio tá sentado em cima duma...dum minério de ouro isso aí ninguém mexe ninguém toca né , o governo não deixa...cê tem terreno por aqui?
M: tem um terreno que dá prá lá, só que, ele é por atrás do presídio, por trás do presídio eu to tentando vê uma maneira de como preservar e de repente fazer alguma coisa nele, não sei ainda o que exatamente, eu vou tentar entrar mata adentro amanhã, por aqui né com os… por causa que a gente combinou pra gente conhecer o que tem lá, por que tá muito tempo sem mexer e vê o que seria interessante até pra comunidade, pq o papai não tá com condições de cuidar desse terreno, tão invadindo já... a frente…
L: aqui tinha uma entrada era bem aqui ô, entrava aqui passava ali no finado raimundo... chamava ele ia passava lá em…uma árvore grande, varava lá pro terreno do….
M: era do Pedro…
L: pois é, do finado Pedro, varava pra lá, chegava já vinha lá pela estrada grande e até hoje não é assim pq o povo parou mais de andar né…
M: muita mata fechada né
L: cerrado tá fechado….
M: ta fechadão né...imagino
L: tem que mandar meter uma roçado, fazer um travessão no terreno, que esse terreno aí, daí uma certa parte pra lá é daquele Paulo Correa...
M: já ouvi falar...
L: família Correa
M: mas é ele que tá vendendo as terra, tá vendendo pra…
L: quando foi depois um dia, tava sentado que eu sempre fico aqui, veio dois senhor, aí veio __ “oi mestre” __ aí eu disse: Oi! __ “a gente queria conversar com o senhor”, __ aí eu disse: Pois não, puxei a cadeira, sentaram... __ “o senhor conhece por aqui o terreno de Paulo Correa”? ai eu disse: conheço! __ “é grande o terreno dele? eu digo: é, ele pega aqui por perto do presídio vai...pega ali a estrada corta pro outro lado vai passando o Maracanã, vai arriando o Maracanã...maracanã...esse terreno aí era grande….era dele essas terra tudinho...
M: e cadê ele, morreu?
L: morreu…era dele...
M: Paulo Correia, era de onde, será? de Santarém?
L: de Santarém
M: também de Santarém...ele já era o que, ele era não-indígena, português
L: não, ele tinha sangue não sei do que, se era de português, ele era bem claro, bem…
M: espanhol será?
L: é...por aí…
M: você tem sangue de que?
L: em?
M: cê tem sangue de que?
L: olhe na m’nha, o meu sangue tá em jogo, sabe pq?
M: tá em jogo…(risos)
L: pq meu pai se queixou pra mim depois de eu já rapaz e a minha mãe tbm, disque a minha avó parte dele, vó mãe dele, confessou que foi verdade, um tempo aí uma época, veio uns alemão da alemanha pro brasil e variou uns por aí, foram pra aquele rio aí que é o Monte alegre que é de criação de muito gado e a minha avó foi pra lá, não sei como é que foi, ela apareceu grávida de um alemão, aí nos decorrer dos tempos das.... o papai ...a mamãe me teve, aí o papai dizia… eu tenho sangue de alemão e ele era bem claro mesmo bem...tinha os olho meio azulado, claros… M: e a tua mãe era que cor?
L: hã?
M: da sua cor a sua mãe?
L: não, mamãe era morena, morena, mas dessas morena que passava uma aguazinha e pronto… aí, agora meu pai era… bem claro e ele não queria casar com morena não, quando foi pra ele casar, a minha avó, mãe dele, que disse __ “agora você casa, a menina já tá grávida aí, você casa, agora não tem jeito”, aí foi que ele quis casar com a minha mãe…
M: ...me diz uma coisa...é...hoje, quantas famílias que tem daquela sua época que você chegou aqui, que você conhece que ainda tá aqui, tradicionais de cucurunã
L: olhe eu quero dizer que umas 40, 45 umas 44 famílias ainda têm, aqui tudo tem, descendentes de cucurunã…(risos)
M: você me falou outro dia que as mulheres daquela época lá faziam suas benzeduras, chás que não tem mais, não tem mais isso, você chegou a ver as mulheres fazendo isso, chás curar a criança, a criança tá com algum problema, faz uma reza…
L: tinha...ainda tem por aí algumas...mas ainda tem...tem...puxar, puxar, puxar...quando não puxava uma cigarrão metendo na boca (sopra com a boca) esfumaçava na pessoa, o curandeiro que eles chamavam…
M: e os curandeiro daqui?
L: ainda tem, ainda tem, essa morena aí, a cumadre delnira é uma…
M: é?
L: é daquele tempo ainda…
M: como é o nome dela?
L: delnira
M: delnina?
L: é… M: … e hoje o que você viu de tão diferente de cucurunã que você gostaria que não existisse?
L: não...eu queria que não existisse nunca existisse, a violência, a briga né se matare, matar o outro...em São paulo isso acontece muito né? a morte a violência,
M: têm muita violência aqui?
L: muita violência…
M: o que você gostaria que fosse de bom assim, que tivesse uma coisa muito boa pra comunidade de cucurunã, assim que fosse muito bom?
L: eu queria, primeiro lugar a escola, segundo a saúde, que os hospitais de santarém fosse mais cuidadoso, mas é muita gente, é muito povo...tem muita gente desses interior que venho tudo pra cidade…
M: têm muito jovem aqui, tem até uma escola aqui né, só que não é até….até uma certa idade né?
L: é...tem muita gente...tem muita gente nesses interior mana, se vc fosse andar de barco de lancha com ele, nesses interior por aí, mana, meu pai do céu é muita gente é muita, é muita gente, é muito povo, e vivendo de quê? vivendo do peixe...são pescadores que pescam que pegam peixe e venham vender na cidade…
M: e cê viu né, que têm vários lugares sendo ameaçados de ficar poluído né o rio… L: poluído e de ficar em extinção porque tem...que acabar…
M: triste né, como é que vai viver né, como é que as pessoas aqui trabalham, como é que elas conseguem sobreviver, aqui em cucurunã, vendendo o que?
L: eu ouvindo o jornal nacional numa noite, o repórter falou assim: “o Brasil ele tem deve se cuidar mais, pq o brasil ele está...o cara disse, previsto um dia ele ser, não acabar, mas ele ser destruído, pq o povo é demais e o que tem tá acabando, e é mesmo né, o que têm tá acabando…daqui uns ano como é que vai ficar....(interrompe com entrada de vizinhos)
M: e a sua mulher? ela viveu com o senhor por quanto tempo?
L: minha mulher era...inácia o nome dela…
M: ela era de onde? l: daqui mesmo…
M: Cucurunã
L: mas deusulivre, era muito amiga do finado pedro…
M: era?
L: era, tinha uma senhora ali que era irmã da cumadre fortunata, a gabita, era tudo assim, tudo unido, tudo unido… M: quer falar mais alguma coisa…?
L: Não M: qual teu maior sonho, agora? tem que ter sonho…
L: tem que sonhar e lutar pra realizar o sonho pra não deixar ele… o meu sonho daqui, o que eu posso fazer? trabalhar já não sou mais bom de trabalho, pescar tbm não…
M: mas não tem um sonho que vc fica mentalizando que alguém faça esse sonho…
L: tem!
M: não vai contar pra gente esse sonho?
L: (silêncio)... o meu poblema agora na minha vida, que eu estou com falta da mulher, não há um jeito d’eu esquecer, entendeu? caboca daí fazia aquele beiju de tapioca assim (faz gesto com a mão) botava na mesa, botava aquele tar de bule que botava o café né, beiju com tapioca era bom, hoje em dia não tem mais né….
M: tá bom, muito obrigada pela sua entrevista, gostamos muito, estamos muito felizes com tudo que vc falou, e... que seu sonho né, venha e que vá aparecer um beiju aqui pra vc…vamo lá né...
L: olha, vou ser sincero com vcs, eu não sei nem como… (voz emocionada) agradecer a vcs por causa da visita e da lembrança de quem...de quem… olha eu vou contar uma história aqui… nós tava aqui e o finado Pedro, eu tava aqui na minha casa, e ele: __ “ei cumpadre?” __ senhor! de primeiro a gente só tratava os outro por senhoria né, não tinha esse negócio de tu pra cá, tu pra alí não, “o senhor vai caçar, amanhã de noite?” e eu digo: Eu vou...__ “Cumpadre se Deus lhe ajudasse o senhor matasse uma caça meio grande me vendesse uma banda ou um quarto pra mim fazer uma merenda pra uns malandro que venho aí” aí eu soube logo: é bem padre! __”é uns padre que venham numa reunião comigo aí na igreja e eu estou sem comida pra dar pra eles” ai eu disse: mas o padre não come cumpadre, os padre só reza. __ “mas esse ai não é só reza cumpadre” aí eu disse pra ele assim: olhe eu vou caçar na boca da noite, se nossa senhora das graças ajudar que eu mate uma caça grande eu dou uma pra vc, ai ele disse __ “tá” quando foi na noite na hora da caçada eu saí com uma espingarda, eu andava só eu por aí no mato, a mulher ficava preocupada comigo aí __ “vem cedo, não vem muito tarde, olha a curupira, olha isso”, aí tá... fui lá caçar, aí lá dentro do mato eu achei uma fruteira e a fruta tava caindo no chão, olha quem tá comendo essas fruta é um veado e não é só um é dois, veado rutico, é um pequeno não é grande veado roxo não é grande é pequeno, aí eu subi, atava a rede no galho do pau bem seguro e ficava lá, na sacola ia um cafezinho, ia um pedaço de beiju, o importante é comer lá pra enterter né, umas...dez horas da noite tem aquele pássaro no mato, de noite ainda tem, que uma noite dessa eu ouvi eles cantar, um tar de aracuã, aí eles cantaram: “arran arran arran” (fez som com a boca) eu olha, são onze horas o coiso tá cantando, não era muito longe de casa, aí nessa eu escutava..., quando eu vi a zuada do… que ele eu alumiei ele acendeu com os zóio no fogo da lanterna páaa, o homem é muito marvado né, o bichinho lá comer né e matei, ai caiu lá ficou depois fui lá alumiar bem tá morto, dei um tiro bem no meio da testa, ….não demorou quando eu vi, lá vem o outro, subi me ajeitei... engatilhei a espingarda, peguei a lanterna, alumiei... e páaa... eu tinha um cachorro em casa que o nome dele era praia que ele era todo branco, era branco...aí né o cachorro gritou pra lá aí a inácia ralhou o cachorro “cala a boca” acho que ele ouviu eu atirar aí ele latiu, aí matei os dois naquela hora, a casa era ali aonde hoje é a nossa água, aí eu vim pra casa, __ oi inácia!, aí ela disse: “Oi”, __ ainda não dormiu? ai ela disse: “mais quando que eu vou dormir, inda agora o boto passou aí assobiando”, era um bicho que assobiava de noite, fingindo que era o boto que a assobiava, quê… vambora lá pra Cucurunã?...nós tinha comprado a casa do Lourival aqui, era bem aqui assim uma casa tudo era bem barriada tudo bem cercada,eu comprei caro a casa ele me vendeu rapaz...dezoito cruzeiro ô...eu comprei e nós já tava aí...conhece a Nazaré?
M: a nazaré…
L: é irmã da inácia...ela tá em Belém....nazaré
M: A Fortunata morou aqui do lado, por muito tempo…
L: é morou anos e anos...moraram aí...esse terreno aqui era deles era do finado Pedro… ai vamo embora pra casa, chegou aqui botei a lanterna ai o finado Pedro botou a lanterna, aí o finado Pedro disse: __ “Ê cumpade”. Oi __ “já chegou” eu digo: Já! __ “venha cá” aí este veio por aí ele é seu que moravam junto seu Ambrosino, lembra do seu Ambrosino?
M: só o papai que vai lembrar… L: seu Ambrosino morava com eles, aí cadê o bicho tá aí? eu disse tá lá não trouxe não,__ “não trouxe não?” mas tem dois veado aí roxo, eu vou dár um, um é seu o outro é meu, e o filho do seu Ambrosino que morava aí tava começando a dirigir carro, e já tinha um carrinho, aí eu foi lá com ele, ei, ei, dá pro senhô ir buscar dois viado pra mim lá no centro, ele dizia no centro era lá, __ “dá mais é verdade isso? mais dois viado?” foi eu matei… aí nós fomo buscar trouxemo, chegou aí eu dei um pra pra dar comida pros padre e eu fiquei com um, aí o finado Pedro, o cumadre pedro, ele acredita um pouco em santo, ele falou e a santa ajudou ele...é assim a nossa vida…
M: uma delícia né, aventuras...aí que bom, muito bom saber, muito gostoso ouvir todas essas histórias assim, pra lembrar tbm que eu não pude ter oportunidade de conversar com o meu avó né, que ele morreu muito cedo, nem eu existia, então ter essa oportunidade de estar contigo e vc tá com essa memória, pra mim é muito bom, muito gratificante, fico muito feliz tbm…
L: muito bom finado Pedro...era uma pessoa... olha, finado Pedro tomava nota de tudo, se até uma cachorrinha do vizinho tido filho ele ia lá...aí com trinta, quarenta dias podia perguntar pra ele, quantos cachorros a cachorrinha da fulana teve, ele dizia tanto, tardia eles vão fazer mês, era assim ele tomava nota tudinho…
M: (risos) era um pesquisador, ele gostava de bicho né? só pra comer né, comia uns...aí que bom, bora tirar uma foto né? L: vamo, cês vão agora pra cidade?
M: sei nem que horas são, a gente queria na verdade dá uma olhadinha aqui...a bateria descarregou completamente, a gente vai ter que comprar outra bateria…
Fim,
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Transcrição:
Barbara Xavier Bacharel em museologia com experiência em organização documental e ações educativas. Atualmente trabalho com montagem e elaboração de exposições, negociação e venda de obras de arte e transcrição de áudios de entrevistas.
Pesquisadora: Moara Brasil
Bacharel em comunicação (UFPA), artivista indígena e curadora independente. Faz parte do coletivo @colabirinto e do coletivo @mulheres.artistas.pa. É integrante da Associação Wika Kwara. Sua pesquisa é sobre seus parentes que se originam da comunidade de Cucurunã/Baixo amazonas/Tapajós que a fez criar um “Museu” itinerante e digital,o @museudasilva, está participando da Bienal de Sidney e fará, ainda este ano, uma exposição sobre a sua pesquisa no CCSP. Sobre o Museu da Silva Comunidades de beira de estrada são corriqueiramente negligenciadas. Muitas dessas comunidades tem como origem povos indígenas. Cucurunã é uma dessas comunidades e está localizada entre Santarém e Alter do Chão no oeste do Pará, região denominada "Eixo Forte", no baixo Amazonas. O Museu da Silva surge do ideal de documentação e preservação das memórias de Cucurunã como uma forma de valorizar e eternizar o viver e sabedorias de comunidades tais como ela, que trazem em seu interior uma importante identidade indígena que foi apagada ou subjugada pelos processos de colonização ao longo da história brasileira. O museu pretende, como uma de suas fases futuras, ser uma instalação que será construída em um terreno em Cucurunã herdado do meu avô, Pedro Delgado, um dos fundadores da comunidade.